segunda-feira, dezembro 31, 2007

Uma actuação de Siti Nurhaliza, belíssima diva da canção malaia

Os nativistas

Senghor dizia que a emoção é negra como a razão é grega. Senghor às vezes tinha ideias parvas. Um negro africano que é educado num ambiente intelectualmente estimulante onde se promove o espírito científico, que tem acesso a uma boa escola, pode tornar-se um especialista em física quântica ou nanotecnologia, e um grego ou americano ou sueco educado numa aldeia onde o único intelectual é o feiticeiro local pode vir a ser um brilhante dançarino e um excelente declamador de poesia tradicional. Há uns anos atrás (antes do acelerado processo de modernização de Portugal nas últimas três décadas), a vida de um camponês português era o trabalho duro não-mecanizado no campo, com intervalos para dançar o vira e rezar aos santinhos para que a colheita das batatas fosse boa. Era esperado que a vida do filho dele fosse semelhante.

Os movimentos nativistas como a negritude, de que Senghor foi um expoente, tinham subjacente a ideia de que o contacto com a cultura dos colonizadores corrompia e que o verdadeiro nacionalista tinha que ir procurar uma suposta “pureza” cultural nativa, intocada e magnífica, vinda directamente das raízes da mãe-terra, ligada aos rituais ancestrais. Em Timor o nativismo revelou-se no mauberismo, que exaltava aqueles que, ao contrário dos “assimilados”, tinham supostamente conseguido não ser conspurcados pelo colonialismo. O mauberismo produziu pouco em termos literários, alguma coisa ao nível da chamada “poesia de combate” (má, na maior parte) e algumas cantigas políticas. Mostrou-se contudo muito produtivo como forma de propaganda política e mobilização, e nalguns sectores a sua influência continua até hoje.

Porém, nesta época de marketing new age, em que muita gente anda à procura de “autenticidade” e de “culturas e práticas medicinais milenares”, e outras coisas que tais, Portugal também exporta malais nativistas para Timor. São uma espécie engraçada, querem tudo típico, pitoresco, e “realmente tradicional”: as roupas, o artesanato, a música, a comida... (Indignam-se se alguém lhes sugere que comam nasi goreng, por ser indonésio, e exigem katupa, que crêem “verdadeiramente timorense” – sem saberem que a palavra katupa é ela própria um antigo empréstimo lexical do malaio). Os nativistas acham que o bom nativo é o nativo “genuíno”, gostam que os indígenas sejam autênticos e ficam chateados quando os autóctones não colaboram.

Se em Portugal as suas filhas adolescentes vão à missa com roupas mais casuais eles aplaudem os sinais de abertura e modernização da Igreja Católica portuguesa que já deixou de impôr códigos de vestuário arcaicos e criticam jocosamente os comentários reaccionários da avó que lá na aldeia natal protesta contra a “pouca-vergonha” das netas, mas se as moças timorenses fazem o mesmo, os nativistas imediatamente barafustam em coro com as velhas locais que falam da degradação e da falta de dignidade das novas gerações. E, claro, denunciam os efeitos nefastos da globalização contra as culturas nacionais e locais. Como eles é que sabem o que é melhor para o futuro de Timor, nem se lembram de perguntar às jovens quais são as impressões delas sobre o assunto. Também não querem ouvir falar de guitarras eléctricas e afins na terra do crocodilo. No entanto, estes nativistas cá em Portugal não obrigam os seus rebentos a restringir o seu gosto musical às recolhas de cantigas tradicionais feitas por Michel Giacometti, e não pensam que os seus filhos fiquem menos portugueses por ouvirem Pedro Abrunhosa, ou Silence 4, ou Sex Pistols, ou death metal.

Os nativistas quando estão cá são gente bem-pensante, cosmopolita q.b., e riem-se do país atrasado e parolo dos “tempos da outra senhora”. Por exemplo, durante a ditadura salazarista a Coca-Cola era proibida em Portugal. Uma das razões era a protecção da viticultura (“Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”, dizia-se então), mas no livrinho de Maria Filomena Mónica “Os Costumes em Portugal” (um dos “Cadernos do Público”) cita-se uma carta de Salazar a A. Makinsky, responsável da empresa para a Europa, que mostra uma outra razão: «Sei perfeitamente que o senhor nada tem a ver com vinhos, nem com sumos de fruta e é bem por outra razão que – apesar das excelentes relações que mantemos, o senhor e eu, e que datam da época em que representava a Fundação Rockefeller e não sonhava sequer em fazer parte da Coca-Cola – sempre me opus à sua aparição no mercado português. Trata-se daquilo a que eu poderia chamar a ‘nossa paisagem moral’. Portugal é um país conservador, paternalista e – Deus seja louvado – ‘atrasado’, termo que eu considero mais lisonjeiro do que pejorativo. O senhor arrisca-se a introduzir em Portugal aquilo que eu detesto acima de tudo, ou seja, o modernismo e a famosa ‘efficiency’. Estremeço perante a ideia dos vossos camiões a percorrer, a toda a velocidade, as ruas das nossas velhas cidades, acelerando, à medida que passam o ritmo dos nossos hábitos seculares.» Os nativistas, que não hesitam em rejeitar as opções de Salazar que mantiveram o país como uma espécie de terceiro mundo dentro da Europa, também não hesitam em imitar o raciocínio do velho ditador quando falam da terra dos outros.

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Anggun, uma cantora indonésia com sucesso internacional

Anggun é uma cantora indonésia que mora em França e conseguiu sucesso internacional, tendo já cantado em parceria com artistas de renome como Peter Gabriel. O seu sítio oficial na internet pode ser consultado aqui: http://www.anggun.com/indexFr.html


terça-feira, dezembro 25, 2007

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Texto antigo para copiar para outros blogues

Este é um texto originalmente publicado por duas amigas minhas - e ex-alunas - no jornal literário do Departamento de Língua Portuguesa da UNTL. Foi depois incluído por nós no nosso livro colectivo “O que é a lusofonia – Saida maka luzofonia”.


Lisensiatura kona-ba Lia-Portugés no Kultura Luzófona sira

Ita hotu hatene katak ita-nia nasaun iha lian ofisiál rua, tetun no portugés. Ne’e desizaun matenek husi ita-nia na’i-ulun sira, tanba hanesan ne’e timoroan sira ne’ebé seidauk hatene portugés mós bele komunika ho Estadu. Porezemplu, tia ida iha foho ne’ebé laeskola bele hakerek surat – ka husu ba ema ruma atu hakerek – uza de’it tetun no haruka ba Ministériu ida ka ba Tribunál kona-ba problema ruma ne’ebé nia hetan. Maibé ita mós hatene katak tetun sei tuir hela prosesu atu dezenvolve an, no lia-portugés maka nia belun istóriku no lia-portugés maka lian nasaun Timór Lorosa’e nian ne’ebé ita uza hodi hatene kultura aas. Ita seidauk bele lee ho tetun Mahabarata ka Odisseia ka testu sira husi Stephen Hawking ka António Damásio, Santu Agostiñu ka Karl Marx, Shakespeare ka Camões, José Saramago ka George Orwell. Ita seidauk bele uza tetun hodi koñese Literatura Boot husi mundu ne’e, ka hatene kona-ba siénsia foun oioin, no importante tebetebes ba intelektuál sira atu lee kona-ba buat hirak-ne’e hotu. Selae ita sei sai nasaun ida ke la iha matenek-na’in. No matenek-na’in sira de’it maka bele hatene porezemplu oinsá atu prodús eletrisidade, halo operasaun ba ema moras, ke’e mina-rai iha tasi-kidun, ka dezenvolve ita-nia ekonomia... Ita timoroan sei bele uza lia-portugés atu estuda kona-ba asuntu hirak-ne’e.
Tebes duni, ema barak seidauk hatene portugés moos. Tia husi foho ne’ebé ita temi tiha ona bele komprende fraze ida hanesan ne’e “Maria konta ke Domingu-Domingu, depoizde misa, avó bá merkadu halo kompras. Nia presiza kafé, repollu, pepinu, alfase, mostarda, agriaun, tomate, kouve, salsa, ervilla i senoura.” Maibé tia ida-ne’e la bele lee A última morte do Coronel Santiago, husi hakerek-na’in timoroan Luís Cardoso. Hanesan de’it tia mós bele ko’alia “bahasa pasaran” maibé nia la hatene lee Bumi Manusia, husi autór indonéziu Pramoedya Ananta Toer. Ema ne’ebé hakarak estuda atu hatene portugés moos iha oportunidade oioin. Labarik sira hotu oras-ne’e estuda ona iha eskola primária, profesór sira iha Dili no iha distritu tuir daudaun Baxarelatu atu aprende lian ida-ne’e, no foin-sa’e sira ne’ebé remata eskola sekundária no iha intensaun atu buka matenek bele mai estuda iha ami-nia Lisensiatura kona-ba Lia-Portugés no Kultura Luzófona sira.
Universidade Nacional de Timor Lorosa’e maka hala’o Lisensiatura ida-ne’e, iha Faculdade de Ciências da Educação, hahú tiha ona iha tinan akadémiku 2001/2002. Iha kursu ne’e ami estuda buat oioin interesante tebetebes: lia-portugés, literatura husi Portugál, Brazíl, rain oioin iha Áfrika no Timór Lorosa’e, kultura Timór nian no rain seluk nian, gramátika, linguístika, Istória Timór Lorosa’e nian no seluseluk tan. Ami-nia kursu mós fó atensaun maka’as ba lia-tetun, no ami tuir kadeira (ho lia-indonézia katak mata kuliah) hanesan Padronizasaun no Ortografia Tetun nian, no Gramátika Tetun nian. Bainhira ami-nia Lisensiatura hotu ami sei bele buka serbisu nu’udar profesór, durubasa, tradutór, sekretária, jornalista, ka funsionáriu iha fatin sira ne’ebé ezije ema atu hatene momoos lian ofisiál rua ita-nia nasaun nian. Ami-nia profesór barak mai husi Portugál no rain sira seluk ne’ebé mós iha lia-portugés nu’udar lian ofisiál, liuliu husi Instituto Camões. Ami mós hala’o atividade oioin hanesan jornál kona-ba literatura “Várzea de Letras”, teatru, tradusaun, nsst...
Joven timoroan, mai estuda ho ami!

Testu husi Icha Bossa ho Irta Araújo,
publika tiha iha
Várzea de Letras, Suplemento Literário mensal do jornal Semanário, nº 4 [5], Julho 2004



Licenciatura em Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas

Todos sabemos que a nossa nação tem duas línguas oficiais, o tétum e o português. Isto foi uma decisão inteligente dos nossos líderes, porque desta forma os timorenses que ainda não sabem português também podem comunicar com o Estado. Por exemplo, uma tia não-escolarizada na montanha pode escrever uma carta – ou pedir a alguém que lha escreva – usando apenas o tétum e enviá-la para um Ministério ou para o Tribunal sobre um problema qualquer que ela tenha. Mas nós também sabemos que o tétum ainda está num processo de desenvolvimento, e que o português é que é o seu aliado histórico e a língua portuguesa é que é a língua da nação leste-timorense que usamos para ter acesso à alta cultura. Ainda não podemos ler em tétum o Mahabarata ou a Odisseia ou os textos de Stephen Hawking ou António Damásio, Santo Agostinho ou Karl Marx, Shakespeare ou Camões, José Saramago ou George Orwell. Ainda não podemos usar o tétum para conhecer a Grande Literatura mundial, ou para saber sobre as ciências modernas, e é muito importante que os intelectuais leiam sobre tudo isto. Se não seremos uma nação sem intelectuais e sem especialistas. E só estes é que podem saber por exemplo como se produz electricidade, se fazem operações cirúrgicas, se extrai petróleo do fundo do mar, ou se desenvolve a nossa economia... Nós timorenses poderemos através da língua portuguesa estudar sobre estes assuntos.
Claro que é verdade que muita gente ainda não domina o português. A tia da montanha que já mencionámos pode compreender uma frase como esta “Maria konta ke Domingu-Domingu, depoizde misa, avó bá merkadu halo kompras. Nia presiza kafé, repollu, pepinu, alfase, mostarda, agriaun, tomate, kouve, salsa, ervilla i senoura” (A Maria conta que aos Domingos, depois da missa, a avó vai ao mercado fazer compras. Ela precisa de café, repolho, pepino, alface, mostarda, agrião, tomate, couve, salsa, ervilha e cenoura). Mas esta tia não pode ler A última morte do Coronel Santiago, do escritor timorense Luís Cardoso. Da mesma forma, a tia também pode falar “bahasa pasaran” (língua malaia “do mercado”), porém não é capaz de ler Bumi Manusia, do autor indonésio Pramoedya Ananta Toer. Quem quer estudar para saber português correctamente tem muitas oportunidades. Todas as crianças actualmente o aprendem na escola primária, os professores em Díli e nos distritos seguem actualmente um Bacharelato para aprenderem este idioma, e os jovens que terminaram a escola secundária e têm intenção de aprofundar os seus conhecimentos podem vir estudar connosco na nossa Licenciatura em Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas.
Esta Licenciatura foi criada na Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, na Faculdade de Ciências da Educação, no ano académico de 2001/2002. Neste curso estudamos muitas coisas interessantes: língua portuguesa, literatura de Portugal, Brasil, países africanos lusófonos e Timor-Leste, cultura timorense e de outras nações da lusofonia, gramática, linguística e história de Timor-Leste, entre outras coisas. O nosso curso também dá uma grande atenção ao tétum, e temos cadeiras como Padronização e Ortografia do Tétum, e Gramática do Tétum. No final da Licenciatura poderemos procurar trabalho como professores, intérpretes, tradutores, secretárias, jornalistas, ou funcionários em locais que exijam o domínio das duas línguas oficiais da nossa nação. Muitos dos nossos professores vêm de Portugal ou de outros países lusófonos, principalmente do Instituto Camões. Levamos também a cabo diversas actividades como o jornal literário “Várzea de Letras”, teatro, traduções, etc...
Jovem timorense, vem estudar connosco!

A versão original em tétum, de Icha Bossa e Irta Araújo, foi publicada no
Várzea de Letras, Suplemento Literário mensal do jornal Semanário, nº 4 [5], Julho 2004

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Irá a tradução passar a ser um negócio da China?

Num fórum de debate de tradutores na Internet encontrei há dias as inquietações de alguns profissionais que temem que haja empresas a começar a fazer outsourcing de traduções português-inglês-português para a China, onde o preço por palavra é muito mais baixo do que no Ocidente. É verdade que há muitos chineses a aprender a língua portuguesa, nomeadamente para irem investir e obter matérias-primas nos PALOP, mas vendo um exemplo de uma tradução made in China – ler abaixo – eu diria que não há por enquanto razão para preocupação. Nenhuma empresa minimamente consciente da importância da sua imagem no mercado vai entregar trabalho a tradutores que produzam preciosidades como esta.
(clicar na imagem para ler)


segunda-feira, dezembro 03, 2007

Lembrar os sonhos da adolescência

Quando era adolescente achava que a Kumiko (interpretada por Tamlyn Naomi Tomita, actriz de ascendência nipo-filipina, nascida em Okinawa) era a moça mais bonita do mundo.





Tinha adorado o filme Karate Kid (de John G. Avildsen, 1984, com Ralph Macchio e Pat Morita), e tinha gostado ainda mais do segundo, Karate Kid II (John G. Avildsen, 1986). Só havia um pormenor que me irritava, o facto de o argumento ser inconsistente. No primeiro filme o Mr. Miyagi embebedava-se uma vez, ao recordar a morte de sua esposa e filho no parto, por falta de assistência médica, enquanto esta estava internada no infame campo de concentração de Manzanar, um dos dez nos quais o governo americano aprisionou mais de 100.000 cidadãos de origem japonesa durante a II Guerra Mundial, pelo "crime" de terem nascido no Japão ou terem pais japoneses. Isto enquanto o Mr. Miyagi combatia na Europa, como americano, contra os alemães e ganhava uma medalha como herói de guerra. No segundo filme, Daniel acompanhava Mr. Miyagi a Okinawa, onde este, parecendo solteiríssimo, reencontrava a sua paixão da juventude, e todos os traços da existência da esposa falecida tinham sido apagados. Agora Miyagi afinal parecia que nunca tinha sido casado e ficara sempre à espera da namorada da adolescência... Mas apesar deste pormenor o filme encantava-me.
E entretanto, eu, adolescente ilhavense, aprendiz de judo, sonhava ir estudar artes marciais para o Japão e encontrar por lá uma Kumiko meiga e bonita para mim. Acabei por não ter ido ainda ao Japão, até agora, mas olhando para o que tenho feito na vida, parece-me que os meus sonhos de miúdo se têm vindo a concretizar, com as necessárias actualizações e adaptações que o rio da vida vai sugerindo...

O jogo do pau não veio da Índia, é autóctone

"There is strong evidence that its technique has most probably derived from a dance in India, which would have been imported and adapted after the Discoveries, a plausible reasoning since it was never practised in Galiza (the neighbouring region of North-West Spain, with close linguistic and cultural ties with Minho and Trás-os-Montes); "
A "dança" a que se refere o texto é uma arte marcial chamada Kalarippayat praticada em Kerala. Seguindo a ligação proposta pelo autor encontramos esta informação: "The 15th century travelogue of Duarte Barabosa, the Portuguese traveler shows that Kalarippayat was the integral part of the Kerala society between 13th and 16th centuries. It was a part of the education of the children, where daily training in a Kalari was considered as important as learning to read and write, thus forming an important element of the culture of the land Kerala and erstwhile southern parts of Karnataka then known as Tulunadu. During this period, it was a compulsary social custom to send all youngsters above the age of 7 to a kalari for training.
Kalarippayat is believed by many historians as one of the oldest traditions of martial training in the world. In Malayalam, the mother language of Kerala, India, Kalarippayat means repetitive training (payat) inside an arena (kalari).
"
Podemos ver o uso que este sistema tradicional de combate faz do pau num vídeo do youtube clicando aqui (a partir do minuto 6, mais ou menos). Ora, as opções técnicas no manuseamento do pau parecem ser bastante diferentes das do jogo do pau português. Em que se baseia a hipótese de o jogo do pau ter vindo da Índia? No facto de um viajante português do séc XVI ter descrito a prática aí de uma luta que usava paus? Se tivesse vindo da Índia teria sido difundido em Portugal a partir das regiões portuárias mais importantes do litoral, mas na realidade os seus centros principais foram durante muito tempo regiões rurais montanhosas do interior (Minho, Trás-os-Montes, Beira Interior...). Creio que só a partir do século XIX é que passou a ser habitual o seu ensino em Lisboa. E, ao contrário do que diz o autor do excerto acima transcrito, há registos da sua prática na Galiza. Conta-nos Ernesto Veiga de Oliveira em "Festividades Cíclicas em Portugal" (D. Quixote, 1984,p.320): "Na Galiza (onde o pau e o jogo do pau se conhecem em termos semelhantes aos que aqui vemos, parecendo mesmo terem ali sido levados por portugueses), o varapau, nas palavras de Lorenzo Fernandez, era «o companheiro dos moços rondadores, dos viandantes ao longo dos caminhos, dos pastores no alto dos montes; o seu ofício era múltiplo: no caminho era uma ajuda, ora a subir as encostas ora a descê-las, descansando-se nele o peso do corpo; quando um regato cortava a vereda, saltava-se por cima dele apoiando-se no varapau. o pastor no monte e o feirante na feira carregavam nele o seu peso, aliviando assim deste as pernas; também o pastor tangia com ele o gado, e, quando era preciso, afugentava o lobo, tanto em defesa própria como na do gado que lhe estava confiado»; e «só se largava de mão enquanto o moço conversava com a sua moça na lareira da casa desta; então o pau ficava à porta, para indicar aos outros que nada tinham que fazer ali».
O pau era de uso exclusivamente masculino; e na Galiza «o rapaz tinha-se por moço quando arranjava o seu varapau, e ia de ronda com os outros; era assim como ser armado cavaleiro»." Veiga de Oliveira cita um galego, Xaquín Lorenzo Fernandez, que escreveu um artigo sobre o assunto n"O Comércio do Porto", em 1959 - não tenho de momento esse artigo.
Estas referências ao jogo do pau entre os galegos remetem para o mesmo universo rural do Norte de Portugal. Não há nada que sustente a tese de uma origem indiana, de uma arte marcial trazida da Ásia por marinheiros. Parece-me que o problema é que há, às vezes, entre algumas pessoas do universo das artes tradicionais de combate uma mitificação exagerada, e uma procura de "legitimidade marcial" recorrendo ao oriente (como entre muitos praticantes de artes marciais chinesas se procura obcessivamente uma ligação com Shaolin). Problemas do que Hobsbawm e Ranger chamam a "invenção da tradição"...
A realidade é que o pau é uma arma muito simples, fácil de obter, e diferentes povos pelo mundo inteiro desenvolveram por isso sistemas de luta com varas de diversos tipos. Porque não inventar que o jogo do pau português veio do sul da Etiópia, onde os homens do povo Surma se dedicam ao sagine (ver filme clicando aqui), uma luta com paus bastante interessante. Ou da Sicília, na Itália, onde há o bastone siciliano.

sábado, dezembro 01, 2007

Abril 74 - O nosso... e de todos os que amam a liberdade




A letra da canção - no original catalão e traduzida - está no youtube. Cliquem várias vezes com o botão esquerdo do rato, tendo o cursor posicionado em cima desta caixinha, para ter acesso.